23 de outubro de 2009

Deslize da Lágrima...

Ela abriu os olhos devagar, a luz feria-os, como se os abrisse pela primeira vez. Levou tempo até conseguir ver. Não se lembrava do que sucedera, nem o porquê de estar num quarto de um hospital, contudo, sentia a cabeça a latejar e todo o seu corpo dorido.
Foi então que o viu. A cabeça deitada sobre a cama e a mão sobre a dela. Tentou levantar a mão, acariciar-lhe o cabelo, mas tal gesto simples, quase se tornava impossível, sentia muitas dores… ao fim de algum esforço conseguiu, por fim, afagar-lhe o cabelo e chamou-o baixinho:
- Rodrigo
Ele despertou, levantando a cabeça instintivamente. Tinha um olhar cansado, de quem há muito não dormia, sorriu de felicidade ao mesmo tempo que pequenas lágrimas começavam a rolar pelos seus olhos.
- Como te sentes? Murmurou num tom de voz que denotava uma mistura de alívio e cansaço.
- Que aconteceu?! Perguntou ela cansada.
Ele apertou a mão dela com força e o sorriso foi substituído por um ar triste.
- Não te recordas do que aconteceu?  Apertou ainda mais a mão dela, limpou a cara e continuou.
- Não faz mal, estas aqui…estamos juntos. Completou ele, sorrindo e beijando-a suavemente na testa.
- A quanto tempo estou aqui? A única coisa de que me lembro…é de descer a rua para ir ter contigo. Depois…não me lembro do que sucedeu depois. Sussurrou ela, notava-se fragilidade na sua voz.
- Isso foi à 6 dias atrás. Ligaste-me…tinhas uma surpresa para mim e pediste-me para nos encontrarmos no nosso café. Disse ele, de semblante carregado. A sua voz ficou como que rouca por momentos.
- Quando vi o carro atropelar-te… Disse fechando os olhos com força, como se quisesse apagar da sua mente a imagem. As lágrimas rolaram rapidamente pela face.
Ela levantou levemente a mão e limpou-lhe o rosto.
- Joana… Na tua voz denotava-se mágoa.
- Já sei o que me querias contar naquele dia… o motivo do nosso encontro. O médico disse-me… Lamento! Disse começando a chorar desolado.

Ela olhou para ele e na sua face “fez-se luz”, relembrou o motivo, o porquê do seu encontro. Naquele dia soube que ambos seriam pais. Seus olhos marejavam lágrimas, abraçou-o com força sobre seu peito.
- Desculpa... Disse, limpando as lágrimas.
- Não tens culpa… foi algo maior que nós os dois, não poderíamos imaginar…que algo de tão terrível iria acontecer.
- Mesmo assim, devia… não sei, talvez ter tido mais atenção…Disse tentando limpar as lágrimas dos seus olhos.
Ele abraçou-a com força, limpou-lhe os olhos e acariciou-lhe a face.
- Joana, por favor… nunca mais digas isso… é verdade que o que nos aconteceu, foi… Fez uma pausa. A verdade é que estas aqui! Estás viva e não te perdi também… estamos juntos e juntos poderemos ultrapassar a nossa dor. Eu não te deixo de amar pelo sucedido, estamos juntos para o bem e para o mal… quero estar contigo, do teu lado. Limpou as últimas lágrimas, sorriu e disse:
- A primeira coisa a fazer é recuperares e saíres do hospital…e depois…depois temos uma vida à nossa espera. A nossa Vida! Esperava que estas últimas palavras a animassem um pouco.
Ela olhou-o nos olhos e sorriu.
- Rodrigo…tu fazes-me feliz… mesmo quando a felicidade é o ultimo sentimento que existe.
Ele baixou-se e beijou-lhe as mãos.
- Sinto-me cansada.
- Aproveita para descansar um pouco. Eu vou lá fora, mas já volto para o teu lado. Amo-te muito, até já.
Beijou-a profundamente, olhou-a nos olhos e sorriu.

Percorreu o corredor limpando os olhos. Não queria deixar transparecer toda a emoção que lhe corria na alma. Sentia-se aliviado. Apesar da sensação de perda, ela tinha sobrevivido, poderiam continuar juntos. O Existir e a Vida, a partir daquele momento em que ela acordou, já não lhe pareciam tão devastadoras.
Parou junto da máquina de bebidas, não sabia o que escolher. A partir daquele momento tudo lhe pareceu igual e qualquer escolha que ele fizesse não teria qualquer significado, nem qualquer sabor, quando comparado com a dádiva daquele momento.
- Ela está bem… Era o único pensamento que tinha, esboçando um sorriso de satisfação e alivio.
Continuou distraído em frente a máquina, olhar perdido de quem se embrenhou bem dentro de uma floresta mental de pensamentos. Teria que ter força. Teria que ter muita força por ambos, mas principalmente para a ajudar a superar aquele momento tão delicado.
Uma sensação de arrepio fez com que voltasse a Realidade. Encontrava-se em frente a máquina das bebidas, onde um café o esperava, mas o que lhe despertou a atenção, foi o burburinho que se gerou ao fundo do corredor. Foi quando reparou na correria de enfermeiros que se precipitavam para o quarto onde estava Joana.
- Não!! Gritou correndo como se fosse a última coisa que fazia na Vida. Sentia abrir-se um buraco dentro de sim, uma cratera bem funda e fria.
Quando se aproximou da porta, sentiu um braço puxa-lo. Viu o enfermeiro que lhe impedia de entrar.
- Desculpe mas neste momento não o posso deixar entrar.
- Por favor, que se passa?! Deixe-me entrar… ela precisa de mim… Joana! Gritava ao mesmo tempo que começava a chorar desconsoladamente.
- Por favor, agora não. Aguarde aqui fora…o médico foi chamado, está lá dentro, tem de aguardar, por favor, penso que dentro de momentos ele virá a sua procura para explicar o que está a acontecer. Compreendo a sua situação, mas fique aqui comigo…
A muito custo, lá conseguiu conter algum do ímpeto que tinha, apesar da sua intenção ser a de querer entrar por aquele quarto adentro e agarra-la, com todas as forças que tinha, ajuda-la apesar de não saber qual a situação ou sequer o que tinha acontecido. Sentia-se impotente como nunca, e os minutos, que pareciam intermináveis horas, ajudavam a que a ansiedade crescesse dentro de si, como se fosse uma estrada na qual caminhasse sem nunca encontrar o fim.
O enfermeiro, esse continuava ali do seu lado tentando transmitir confiança, e fazendo com que alguma da ansiedade e desespero, que começava a apoderar-se dele, desaparecesse, porém, Rodrigo há muito que tinha desligado, perdendo-se novamente na sua mente. Quem olhasse para ele, via um rosto concentrado, de olhar choroso, mas ao mesmo tempo frio e distante, como se tentasse uma ligação mental com Joana.
Ao fim de meia hora a porta abriu-se e fez com que Rodrigo se levantasse da parede como uma mola. Foi então, que ao fixar o seu olhar no rosto do médico sentiu o mundo desabar. O seu mundo, fazendo-o cair prostrado no chão, de mãos na cabeça.
- Lamento. Fizemos tudo ao nosso alcance, mas ela acabou por sucumbir…



https://www.youtube.com/watch?v=PCb803x3AM0

1 comentário:

Marina disse...

Que triste...ñ quero nem pensar numa situação assim.
Gostei apesar de me ter deprimido, fez-me sentir algo e isso é bom.
*